Filosofia da Inação

1 – O grande mérito da Râja-Yoga, está não só em expor a realidade do Eu, bem antes de Sócrates ter exposto a Maiêutica, como também em viver e praticar o encontro interno – esta necessidade imperiosa da Inteligência. Os velhíssimos sábios indianos tinham a helênica noção do “Conhece-te a ti mesmo”, milênios antes da Grécia ter surgido com sua deslumbrante filosofia. Todos que atingiram o mesmo nível de consciência, em qualquer época ou lugar da Terra, contemplarão a mesma paisagem… Quando dissemos que faltava à Râja-Yoga um meio de transmissão que tocasse, com o esplendor dos Devas, as fímbrias do manto de Zeus, nós assim afirmamos tendo em vista o caminho do sentimento oriental, em face à cultura filosófica do Ocidente – para que os seres mais cultos de nossas plagas pudessem descobrir a grandeza filosófica da Râja-Yoga, não a tomando como uma simples codificação de exercícios, nem apenas como um breviário de religiosos perdidos no marasmo entorpecente do nada.
2 – O renascimento interior que a Râja-Yoga destaca é ponto importante à nossa observação, dentro da filosofia inativista. Cabe-nos encontrar na Râja-Yoga tudo o que justifique nosso ponto de vista, quanto à realidade do campo subjetivo do Ser. Muitos, em nome da Yoga, transformam-se em negadores da Filosofia, substituindo-a, por mero exibicionismo, pelo tolo faquirismo que impressiona a quem prefere o corpo e a ação.
3 – Devemos arcar com a responsabilidade filosófica do mais profundo ensinamento apresentado pela primeira vez ao mundo: “Eu sou Eu situado no coração de todas as criaturas; sou princípio, meio e fim de todos os seres.” – isto lemos no Bhagavad-Gîtâ, que diz ainda: “ Entre os rishis, Eu sou a Sabedoria; entre as palavras, a sílaba AUM, entre o sacrifício, sou a elevação do espírito.”
4 – A filosofia oriunda do Eu – a mais fecunda descoberta humana – emana deste tronco básico das grandes revelações, precisamente no interior profundo do centro das montanhas do Himalaia. No seu todo geológico, não é um corpo sem alma. Sua expressão é definida pelas primeiras escolas que deram nascimento à filosofia da Inação – sem a qual não teríamos logrado a profundidade sobre nós mesmos. Não esqueçamos que a própria Grécia e a filosofia platônica (que nos revela a maiêutica socrática) sofreu a influência indireta da Índia através da escola pitagórica, cujo Mestre manteve contato direto com os sábios brâmanes.
5 – Indivíduos fisicamente separados uns dos outros podem descobrir o caminho do Eu e, de igual modo, atingirem a mesma plenitude da Vida Interior. O Misticismo é uma planta de origem subjetiva que pode brotar em todos os corações, dando flores aparentemente diferentes, mas cujo sentido (quanto ao Sentimento) é o mesmo; o Lótus do Ganges é irmão espiritual do Lírio do Jordão.
6 – O Bhagavad-Gîtâ, também traduzido como “O Canto do Senhor” (Krishna) é apenas um episódio do grande poema épico “Mahâbhârata”. É útil assinalar que o poema, em meio à alegoria poética e esotérica, fala de fatos ocorridos milênios antes de serem revelados. Assim, o Himalaia foi centro de estudos e revelação da Filosofia do Eu quando ainda, na Europa, nossos primeiros ativistas guerreiros bordavam seus primitivos desenhos nas cavernas.
7 – Quando intuitivamente aprendemos a ler com os “ olhos de ver “ – a mensagem toma seu sentido abstrato, e o símbolo agrega-se à compreensão verdadeira. Assim, Krishna diz, com a voz do Eu, ensinando: “ Em minha Essência, sou livre dos efeitos das ações e não tenho desejo nenhum de obter recompensas ou gozar os frutos das obras; pois estas coisas são produzidas por meu Poder e não têm influência sobre Mim. Em verdade, digo-te que quem é capaz de achar a solução desse enigma e me percebe como Eu sou, minha Essência, fica livre dos efeitos das ações.”
8 – Cremos que a raiz primeira da Inação Criadora está localizada no Bhagavad-Gîtâ. Ouçamos mais a voz do Eu, através de Krishna, dirigindo-se a Arjuna, o discípulo que simboliza nossa Personalidade, ou Ego Instintivo: “Os sábios antigos que conheceram esta verdade, praticavam ações sem esperar recompensa, e assim alcançavam a Liberdade.” (Liberdade é interior, desligada da ação). Krishna sabia o quanto é difícil a toda a gente desvendar os segredos das funções interiores da Consciência: “ Poderás dizer que, às vezes, até os sábios não podem definir o que é Ação e o que é Inação. Eu te explicarei e te ensinarei em que consiste a ação que te libertará do mal e te tornará livre.”
9 – Ação e Inação (aproximadamente há 5000 anos a.C.) já entravam no jogo dialético de Krishna com uma fantástica naturalidade. De início apresenta a ação que liberta e a ação que aprisiona: “É preciso distinguir estas três coisas: a ação (isto é, a reta ação), a inação (ou abstenção) e a má ação. É difícil discernir-se o caminho da ação.” Colocaríamos assim a posição de Krishna: a) reta ação – função energética – b) inação – função criadora intermediária subjetiva – c) má ação – função imaginativa, instintiva, objetiva.
10 – O Mestre considerava uma única Energia Vital abrangendo todas as funções do Ser, de seu teor mais abstrato até ao teor mais concreto, orgânico e físico. Tanto que afirma: “ Quem se adiantou de tal maneira, que é capaz de ver ação na inação e inação na ação, pertence aos sábios de sua raça e permanece em harmonia enquanto pratica ação.”
11 – Permanece interiormente em harmonia com seu Eu, sabendo que empresta apenas parte de sua Energia enquanto se vê forçado a entrar em contato com o mecanismo objetivo do instinto: “Sua atividade é purificada das espumas dos desejos, pela chamada Sabedoria. Tal homem merece o nome de Sábio.”
12 – Por fim, Krishna coroa a Inação como o ponto real e construtivo da Consciência: “ Tendo renunciado aos frutos das suas ações, está sempre contente e confia na força divina em seu interior; está na inação, ainda que trabalhe, porque não age para a sua pessoa, mas deixa agir por si a força divina.” O Mestre nos mostra que a ação, por si só, é uma continuidade da Energia, da qual nós somos os canais. Nada, portanto, encontraríamos de desfavorável na ação, a não ser que o sentido ativista que o desejo lhe empresta venha a torturar a alma…Estado mórbido da Consciência Inferior, instintiva por natureza, que motiva grande desgaste energético. Krishna diz que “ aqueles que renunciam ao fruto de suas ações, vivem contentes.” Desligados da ação, reabastecem seu Ser no estado de Inação.